Eu moro numa das cidades mais visadas do mundo. Um dos lugares mais visitados do mundo. Um lugar que causa encantamento em uma grande parcela das pessoas que o visitam. Um pedaço do mundo que está no imaginário coletivo de muita gente, desde a infância. Sim, eu tenho plena consciência dos meus privilégios. Eu sei que muita gente tenta chegar até aqui – e, no fim das contas, poucos vão conseguir. Eu – e todo mundo que conheço que tem a chance de poder dizer que mora em Nova York – sabemos disso. Mas eu – e provavelmente qualquer pessoa que more fora – vai se identificar com o que vou escrever hoje.
Desde que eu vim morar em Nova York, há pouco mais de cinco anos, sempre deixei claro o quanto eu amo essa cidade. Mas nunca escondi quais são os problemas que a decisão de morar fora traz para a vida de uma pessoa. Lidar com a saudade dos que ficaram no Brasil, desapegar-se do que você era, começar uma vida do zero. Tudo isso com o bônus de estar num lugar onde a língua oficial não é a portuguesa e os costumes, regras e leis são bem diferentes do que você está acostumado. Isso só para citar algumas questões comuns a quase todos os imigrantes. Não estou nem entrando no mérito dos problemas particulares de cada um enfrenta ao chegar a uma terra “desconhecida”.
“Ah, mas você está em Nova York.”
Eu perdi as contas de quantas vezes escutei ou li essa frase durante o meu tempo morando fora. E, provavelmente, vai ser assim para sempre.
Mas, deixa eu contar umas coisinhas para vocês? Senta aí, vamos bater um papo. A gente vive numa era digital maravilhosa. Sim, minha mãe sempre diz que esse papo de que “no meu tempo era melhor” é balela. As facilidades da vida moderna são, sim, maravilhosas, e a internet é uma delas. Agora, o que as pessoas fazem com a internet é outra história. E isso também é papo para outro dia… Mas, voltando ao tópico, eu amo o que a internet proporcionou às nossas vidas. Amo o tanto de negócios que se tornaram possíveis com o mundo digital (inclusive o meu!), amo poder ter contato com pessoas que estão longe, amo poder acompanhar pessoas que eu gosto, amo poder pesquisar sobre algo que me interessa. É fato que muito se questiona hoje em dia sobre aquilo que é compartilhado nas redes sociais e o quanto algumas pessoas talvez tenham perdido as medidas e acabam não sendo tão verdadeiras. Entretanto, por mais que isso já tenha sido repetido aos quatro ventos, também na mesma internet e correndo o risco de ser clichê, eu digo: não pense que você conhece uma pessoa ou sabe tudo sobre essa pessoa apenas por acompanhá-la pela internet. Fora dos smartphones, tablets e computadores, rola muita vida, muitas alegrias, sim, mas também muitas tristezas. Mas, ninguém (ou, a maioria) não vai escolher abrir os Stories para falar que teve uma briga feia com a melhor amiga. Sabe por quê? Porque a dor nos torna vulneráveis. A maioria de nós não quer ficar vulnerável para uma plateia de estranhos. Acho compreensível, esperado e normal que as pessoas escolham compartilhar momentos felizes e suas conquistas. Porque, se o problema não aparece lá nos Stories ou no feed do Facebook, não significa que ele não existe. Não.
“Morar em Nova York deve ser um sonho, né?”
Sim e não. Semana passada tive que lidar com questões pesadas. Isso me fez pensar muito. Até porque no mesmo dia que tive uma crise de ansiedade terrível li uma mensagem dessas, que dizia: “você mora num filme”. Juro que a minha vontade foi responder sim, um filme que, naquele dia, eu descreveria como drama ou terror – longe das comédias românticas que fazem parecer que a vida na Big Apple é mágica. Quando você sai do Brasil deixa de ter alguns problemas e passa a ter outros que nem imaginava – alguns muito mais doloridos. Eu acho que todo mundo tem direito de querer uma vida melhor, porém, lembre-se: não existe vida sem problemas, não existe vida perfeita.
“Ah, mas tem problemas maiores e menores, isso tem”. Também li isso em um comentário em uma foto minha outro dia. E confesso que doeu. E sabe por quê? Nós não estamos numa competição de quem sofre mais. Quando eu escuto que não posso reclamar por estar em Nova York, parece que a cidade está me fazendo um favor. Morar em Nova York não faz a minha vida ser automaticamente perfeita. Nova York é o pano de fundo da minha vida. É onde está minha casa, é onde está meu trabalho, mas Nova York não resolve meus perrengues. Nem os meus, nem os de muitas amigas que estão aqui.
Nova York não resolve o relacionamento abusivo com um marido que não muda. Nova York não livra de conflitos com parentes do parceiro quando você resolve casar com um gringo. Nova York não ajuda a limpar a falsa impressão que as pessoas têm de que a sua vida é perfeita só porque seu marido é bem-sucedido. Nova York tampouco a espera com uma oportunidade nas mãos só porque você tem cidadania americana. Nova York também não resolve suas inseguranças, sua auto-estima, seu problema com a balança. Nova York também não cuida de seus filhos porque você está cansada demais. Nova York não facilita sua vida na hora de se inserir no mercado de trabalho – muito pelo contrário, vai sempre mostrar como você está na luta assim como outras oito milhões de pessoas. Eu poderia listar como um imigrante passa por provações todos os dias durante a vida fora – talvez muito mais do que uma pessoa de classe média no Brasil. Mas, nós não estamos numa competição, lembram?
Não, isso não é para soar como uma reclamação. É mais um desabafo, uma constatação, uma reflexão e um pedido de empatia. Eu me considero uma pessoa bem positiva e que sempre correu atrás de muitas coisas aqui. Mas eu acabo esbarrando em muitas coisas, eu tenho dias ruins, eu tenho decepções, eu sofro, eu choro. Como qualquer pessoa. E conheço mais sei lá quantas pessoas que estão aqui, vivendo vidas que os outros julgam perfeitas e plenas, mas essas mesmas pessoas têm questões tão profundas, têm dores e problemas tão genuínos que talvez a audiência nem imagine. Não diminua a dor de alguém por achar que ela está num lugar que você julga melhor. Lembre-se: cada um sabe das suas próprias dores e um lugar geográfico não resolve seus problemas. Eu não saí do Brasil por não aguentar mais – mas, sim, motivada por uma vontade de ter experiências, de conhecer algo novo, de viver algo novo. Por muitas vezes, o mundo faz a gente acreditar que devemos olhar para os problemas piores dos outros para nos sentirmos melhores. Hoje, refletindo sobre isso, eu pensei o quão cruel esse conselho pode ser, de usar a desgraça alheia para se sentir melhor com sua vida. Soa até meio egoísta. Acho que o exercício pode ser diferente – olhar para outros problemas pode fazer eu me lembrar das coisas boas que eu tenho na minha vida e tentar praticar a gratidão. Mas vou continuar chorando, lamentando e sofrendo por coisas que não posso mudar agora. Porque todo mundo tem dias bons e ruins. E não, voltar não resolve. Lembrem-se sempre: todo mundo tem problemas. Isso não me faz alguém nem menor, nem pior. Isso não é um atestado de que eu tenho que voltar. Isso não deveria ser um motivo para os outros ignorarem a minha dor. Isso só me faz um ser humano.
Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
Laura…. o que dizer sobre seu texto?! Que me arrepiou, e que me pegou um momento de decisões e incertezas na minha vida, e que me mostrou que somos todos iguais! E que não sou um E.t! Kkkk Independente do lugar onde estamos, onde vivemos e trabalhamos, precisamos de EMPATIA!!! Precisamos de mais pessoas preocupadas em: FAZER O BEM E NÃO OLHAR A QUEM!!! Esse post?! Simplesmente MARAVILHOSO!!! Parabens!!! Vc é demais sempre!!!! Pelas dicas, pela atenção, pelo carinho…… pela sinceridade, e pela humanidade, tão ausente nessa nossa sociedade!!!! 💋💋