Outro dia, fiquei pensando sobre algo que minha amiga comentou em seu Insta Stories. Ela mora em Nova York há 15 anos e, até hoje, quando pode, traz alguma comida do Brasil. Estava lá ela listando as encomendas que fez para a sua mãe, que chega nos próximos dias à cidade. Dentre os pedidos, havia arroz, feijão e mais uma bala que eu não me recordo o nome – até porque nem conheço tal doce. Acabou que o assunto rendeu bastante papo, e ela falou algo que me fez pensar. Ela justificou seus pedidos de comida explicando que elas – e muitas outras – são uma forma de conexão com nossos antigos lares. De fato, concordo. Saborear uma comida típica da nossa terra de origem – seja um brigadeiro, um churrasco ou um pão de queijo – traz uma mistura louca de sentimentos, que envolvem satisfação, nostalgia e saudade.
Como mencionei, entretanto, esse papo dela me fez refletir a respeito. Sim, eu acho que a comida nos transporta de alguma maneira para perto de um lugar onde nosso coração se sente confortado. Para mim, no entanto, essa relação é mais forte com os cheiros, com os aromas. Não temos cinco sentidos a toa – e vocês já pensaram em quantas recordações os cheiros nos trazem? Para mim, isso acaba sendo tão ou até mais forte que o sabor. E aí eu me peguei pensando em todos os cheiros que me deixam nostálgica, que vibram ou que apertam meu coração… Cheiros que lembram o tempo em que eu morava no Brasil, aromas que lembram quando eu morava com meus pais e que me trazem todas as lembranças boas de uma época que vai fazer parte de minhas memórias para sempre.
Não tem, por exemplo, um cheiro que me faça lembrar mais minha mãe do que o cheiro de café passado. Eu cresci tomando leite com Nescau, mas meus pais sempre tomaram café. Café passado. Sim, aquele feito através do bom e velho método: água, pó e filtro para café. Felizmente, mais tarde, meu paladar para a bebida desabrochou, e eu passei a incluir o café nas minhas rotinas matinais. Aprendi a receita da minha mãe – três colheres cheias de pó de café, cinco colheres de açúcar e água quente até a marquinha do bule de inox que fez parte da nossa mesa de café por quase duas décadas. Eu lembro do sorriso de satisfação da minha mãe quando ela comprou esse bule. Mesmo depois de ele quebrar, ela não se desfez da peça: como numa inspiração tirada do Pinterest, ela o transformou em um vaso de flores. A receita da bebida acabou mudando depois de um tempo – tudo porque eu, a filha, decidi não tomar mais café adoçado. Meu novo hábito acabou influenciando na rotina deles. Tenho que mencionar também o fato de que as cafeteiras elétricas me fascinavam. Nerd que sou, amante da tecnologia, que adora um gadget, adivinhem qual foi uma das minhas primeiras compras ao ir morar sozinha? Uma cafeteira, obviamente. Que ironia: tive que descobrir, na prática, que o café da cafeteira não chegava aos pés daquele feito por minha mãe. Certamente, ela tem algum ingrediente secreto. A história fica mais irônica ainda se eu contar para vocês que, mais tarde, quando eu me mudei para Nova York, a cafeteira foi uma das heranças dos meu desapegos, que ficaram na casa de meus pais. A ironia é que eles juram de pés juntos que não tinha café melhor do que o feito naquela cafeteira. Vai ver era o gostinho da saudade da filha… Mal sabem eles que o café mais gostoso e cheiroso continua sendo aquele que eles fazem, de manhã ou à tarde. Quão bom era acordar pela manhã com aquele aroma…
Minha mãe sempre foi muito caprichosa com a casa. A verdade é que ela abriu mão da sua carreira por uns bons anos para nos criar, a mim e a meus irmãos e cuidar da casa. E o capricho que ela tem com a casa é fora do sério. Obviamente, incorporei várias de suas rotinas. Como, por exemplo, o cuidado com as roupas. Até não termos uma máquina de lavar roupas mais moderna, à certa altura do ciclo de lavagem era preciso adicionar o amaciante. Não havia possibilidade de pular essa etapa. Se fazia diferença? Demais. O cheirinho da roupa que a minha mãe lava é único. Que gostoso é deitar na cama com lençóis limpinhos e sentir aquele cheirinho suave. Dá aquela sensação de roupa limpa, de verdade. Até hoje, ao sentir uma roupinha cheirosa, minha mente viaja até o meu quarto antigo, na minha cama com lençóis de estampas fofinhas e aquele cheirinho de amaciante – cujo nome do aroma também tem todo um conceito fantasia. Nuvem, primavera, frescor: quantas vezes você já viu esses nomes nos rótulos de amaciantes?
E tem também o cheiro da terra molhada. Vocês sabem: Nova York é uma selva de pedras. Asfalto, carros, prédios. Soma-se a isso o fato de que não chove tanto assim na Big Apple. Ou seja: o cheiro de terra molhada é algo raríssimo. Algo que toca lá no fundo da alma e me lembra as tempestades de verão no sul do mundo. Geralmente, elas ocorriam no fim da tarde e, como já afirma o ditado, depois disso vinha a calmaria. O solzinho do fim do dia, do horário de verão, os pássaros assoviando os últimos cantos do dia, um arco-íris, se tivéssemos sorte, e, claro, aquele perfume de terra molhada. A sensação era de frescor, de tranquilidade. Outro dia, identifiquei um rastro de cheiro de terra molhada, depois de uma chuvinha em Nova York. Que paz aquela brisa perfumada trouxe em meio ao caos da cidade grande…
Minha mente guarda ainda várias outras lembranças olfativas. O desodorante cheiroso de meu pai quando ele saía do banho, o cheirinho do creme hidratante no rosto da minha mãe ao dar um beijo de boa noite, o aroma do frango assando no forno aos domingos, a batata cozida esfriando na janela, o cheirinho de uma loção da Naura, de macadâmia, que eu e a minha prima sempre usávamos no verão – e o próprio cheirinho de filtro solar. Todos esses aromas me fazem lembrar de tantas coisas… são lembranças que nem o brigadeiro mais gostoso consegue despertar em mim. Apesar de o coração apertar quando esses cheirinhos invadem a minha alma, eu fico feliz que eles apareçam de vez em quando em meio ao cheiro do metrô, da neve, dos carros nas ruas, para lembrar o quanto fui, sim, feliz antes de chegar em Nova York.
Não importa quantos cheiros novos eu conheça nesta cidade – alguns cheirinhos do passado vão perpetuar a minha memória para sempre…
Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
Que lindeza! Me identifico tanto… ´várias lembranças semelhantes, mas o cheiro de café passado (no coador de panooooo, delícia!) é uma das mais marcantes! <3