Cheguei ao Brasil há duas semanas – vim fazer uma surpresa para meus pais – e, desde o momento em que o avião pousou no aeroporto de Guarulhos, numa manhã cinzenta e geladinha, alguns pequenos acontecimentos me fizeram refletir bastante. A vida no exterior e o contato com outro estilo de vida e outra cultura fizeram eu odiar certos comportamentos comuns no Brasil, mas, ao mesmo tempo, sentir falta de muitas coisas que existem aqui. Nenhum lugar do mundo é perfeito, nem o Brasil, nem os Estados Unidos. O ideal seria ficar só com as coisas boas de cada local, mas, como isso não é possível, tenta-se desconstruir e melhorar a cada dia – esperando que os outros ao nosso redor façam o mesmo.
Foi um voo diferente. Não houve ligação para meus pais na saída e na chegada para avisar que estava tudo bem. Houve, sim, bastante turbulência – leia-se muita. Sou medrosa mesmo, confesso, e, a certa altura, lembro de pensar comigo mesma: “vou partir dessa para melhor e meus pais nem sonham que estou num avião. Que morte horrível!” Não tinha nem meu marido para segurar a mão, já que não conseguimos assentos juntos. Como vocês podem concluir, tudo não passou de pavor da minha parte. Não adianta me dizer que turbulência não derruba avião. Vou continuar suando frio toda vez que isso acontecer.
Além da turbulência, teve a melatonina. O remedinho natural da moda para ajudar a dormir melhor. Nas minhas últimas viagens, não conseguia dormir, nem achar posição confortável (e quem consegue?). Depois de consultar uma amiga, resolvi trazer a tal melatonina comigo e dar uma chance – não queria chegar tão destruída, sabem? Funcionou, consegui dormir um pouco e até sentir aquela sonolência mais pesada. Porém, isso me custou um dia inteiro de ressaca. Teria sido mais divertido se eu realmente tivesse bebido todas – mas não. Ainda estou decidindo se vou dar outra chance aos comprimidinhos traiçoeiros…
Nesse voo – lotado, diga-se de passagem – teve muita gente também fazendo upgrade para assentos em áreas nobres do avião. Aquelas com as quais todo mundo sonha. Quem nunca se pegou pensando como é voar de primeira classe que atire o primeiro travesseiro de pescoço. E por que esse fator é importante? Bem, com a mudança de lugares desses passageiros, acabaram sobrando assentos vazios que antes não estavam disponíveis. Dessa maneira, eu poderia, então, sentar junto ao meu marido. Ele não fez questão, pois já estava confortável, e eu também não insisti, não havia problemas. Bateu o espírito boazinha e eu pensei no quanto a senhora que havia ficado com duas poltronas vazias ao lado dela iria me odiar por acabar com a festinha dela. Já a senhora ao meu lado tentava me convencer de todo jeito a aproveitar a oportunidade de sentar com meu marido. Fiquei lisonjeada em pensar no quanto ela estava se preocupando comigo. Tolinha, eu. Obviamente, seria muita vantagem para ela se eu saísse dali – ela ficaria com mais espaço. É o sonho da classe econômica: a loteria da poltrona vazia ao seu lado. Acontece poucas vezes na vida e faz você se sentir o passageiro mais feliz do mundo.
E ainda teve o filme. Eu sempre assisto pelo menos a um filme durante o voo. Olho a lista de títulos umas dez vezes até decidir a qual vou assistir. Não foi diferente nessa noite. Depois de procurar muito, vi que “Extremely Loud and Incredibly Close” (Tão Forte e Tão Perto) estava no catálogo e decidi assistir. Não sabia muitos detalhes a respeito – só sabia que era um filme relacionado aos ataques de 11 de setembro. Sem querer dar spoilers, o filme mostra a perspectiva de Oliver, um menino que perdeu o pai durante o atentado e sofre para superar a ausência dele. Ele embarca numa espécie de busca por um tesouro depois de encontrar uma chave misteriosa no armário de seu pai. Chorei litros, obviamente. Aliás, não tenho vergonha de chorar assistindo filmes no avião. Paciência, oras. Pelo menos essas histórias acabam nos ensinando alguma coisa para. Fiquei feliz em assistir ao filme e saber que eu estava viajando para fazer algo tão especial aos meus pais. A vida é um sopro – por mais que se queira acreditar que estamos no controle da situação.
Mas não foi a melatonina, nem o filme, nem a turbulência – nem alguns mal educados que furaram fila na área de controle de passaporte e me deixaram emputecida – que marcaram essa chegada ao Brasil. Foi depois: depois de fazer a checagem de documento, depois de pegar as malas, depois de passar na alfândega. Chegamos à área de desembarque e eu, verde de fome, queria comer alguma coisa. Geralmente, eu pulo o café do avião. É muito cedo para meu estômago sequer pensar em comida. Chegamos a uma lanchonete, pedimos dois cafés, pão de queijo e uma coxinha. Sim, eu comi coxinha no café às 7:30 da manhã. Depois que terminamos de comer e nos preparávamos para pegar um táxi até nosso hotel em São Paulo, um menino passou por nós. Com voz e cabeça baixa, ele pedia dinheiro para comer alguma coisa. Eu estava distraída e me dei conta quando ele passou para a próxima mesa. Foi ignorado por muitas das pessoas que estavam ali. Todos estavam muito ocupados comendo suas coxinhas de oito reais, mexendo nos seus celulares ou comentando sobre o destino de onde acabaram de chegar. Aquela cena cortou meu coração. Abordei o menino e eu fiquei ainda mais triste ao perceber que os olhos dele estavam pesados. Não havia brilho no olhar, não havia sorriso. Peguei a carteira e comprei algumas coisas para ele e para seu irmão. Ele me agradeceu dizendo: “Deus te abençoe”. Não, querido menino, eu espero que Deus o abençoe. Que Deus ou o universo possam ser capazes de mudar o seu destino, porque criança nenhuma da sua idade deveria estar num aeroporto às 7:30 da manhã engraxando sapato de estranhos. Aquele olhar de tristeza não abandonou a minha memória até hoje – e me deixou triste e revoltada por boa parte daquele dia. Ao mesmo tempo, eu me senti grata. Grata e consciente por conta da vida privilegiada que eu tenho – e que, muitas vezes, não nos damos conta. Óbvio que todos nós temos problemas; problemas diferentes, em maior ou menor escala, problemas que sim, deixam-nos mais triste alguns dias, fazem com que desanimemos algumas horas. Porém, quantas pessoas no mundo gostariam de ter os meus problemas? Que mecanismos são esses do universo que fazem com que alguns seres humanos venham ao mundo para viver uma vida tão boa e outros para terem uma vida tão miserável? Quais são as regras do jogo? O mundo é injusto – demais.
Quando você pensar no preço da passagem, no preço do hotel ou na cotação do dólar – lembre-se do privilégio que é poder viajar para o exterior. Muita gente vai passar a vida inteira sem poder sonhar com isso.
Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
Laura, que texto lindo! Com tudo o que foi dito, acho que a gente se acostuma com essas cenas, infelizmente.Sou do interior e fui em São Paulo pela primeira vez, e simplesmente fiquei chocada com tanta gente morando na rua. Às vezes, são famílias, crianças pequenas vivendo nessa situação. Saí de São Paulo, triste. Essas situações fazem a gente questiona tanta coisa. Eu acredito que se nós quisermos, podemos fazer a diferença na vida de tanta gente. E não é precisa ser rico ou milionário, para ajudar. Pagar uma coxinha à uma criança, doar um coberto ao mendigo… etc. São pequenos gestos que transformam por um dia, horas ou vida de alguém que realmente precisa.
Só tenho muito amor por ti, guria. <3
Amei o texto!!! Sou muito sua fã! !!
Senti que o texto foi escrito com todo sentimento de verdade possível.
Foi um texto agradável, limpo e sincero.
Meus Parabéns !