Eu sempre sinto saudades da minha família, mas, essa semana, em especial, foi uma daquelas em que tudo que eu mais queria era estar no Brasil, ao lado deles. Foi um daqueles períodos em que telefonemas não amenizaram a minha angústia e eu me senti impotente. Impotente como tantas outras vezes eu já me senti desde que vim morar fora. Quarta-feira, 16 de maio, foi um dia cheio de medos, de questionamentos e de revolta. Poderia ter sido um dia como outro qualquer, mas vai ser um daqueles dias que jamais vamos esquecer – um daqueles episódios que a gente só deseja apagar da nossa memória.
Era uma quarta-feira normal. O dia começou cinza – e assim se manteve até o fim da tarde. Não consegui acordar na hora que eu queria, saí da cama cansada e com vontade de dormir mais. Durante o café da manhã, comentei com meu marido o quanto a semana estava se arrastando – e como fazia tempo que eu não tinha essa sensação de que as coisas estavam mais devagar que o normal. Eu tinha me programado para gravar alguns vídeos e produzir conteúdos, mas os olhos inchados do sono e da alergia fizeram com que eu deixasse a tarefa para mais tarde. Fui para o computador escrever um pouco, quando fui interrompida por uma ligação do meu pai. Ele queria o número do meu CPF. Não entendi o motivo e não questionei, achei que era por algo burocrático – e ele me falou que ao chegar em casa me ligaria. Cerca de meia hora depois, o WhatsApp mostrou algumas notificações no grupo da família, que eu raramente checo, mas, pelo meu quase “TOC” (Transtorno obsessivo-compulsivo) com notificações pendentes, sempre acabo abrindo para tirar aquele aviso de mensagens não lidas. Em meio a um papo sobre quadrilha e tudo mais, uma tia responde à conversa, informando que entraram na casa dos meus pais. Depois, respondendo à pergunta de alguém, ela contou que meu pai chegou em casa e encontrou os ladrões por lá. Aqui, senti uma espécie de alívio: se meu pai encontrou os caras no flagrante, provavelmente eles foram embora sem levar nada. Mesmo assim, questionei minhas tias sobre o que estava acontecendo, já que eu não sabia de nada. Preocupada, liguei para a minha irmã – que mora fora como eu – e já a deixei a par do que algo estava acontecendo, e, então, chegou um áudio da minha tia, dizendo que era para eu ficar calma. Os ladrões haviam levado algumas coisas, mas estava tudo bem.
Acho que não demorou três segundos para eu desabar. Na real, eu acho que eu nem terminei de escutar o áudio e o meu choro desesperado se sobrepôs àquele áudio. Chorei como há muito tempo eu não chorava. Eu sou uma pessoa de choro fácil, mas aquele era um choro angustiado, carregado de impotência, de preocupação, de medo e de dor. Meu peito estava apertado. Eu soluçava de desespero, sozinha em casa. Nessas horas, não adianta muito alguém falar para você que está tudo bem. O que eu mais queria era escutar a voz deles – porém, àquela altura, ninguém mais atendia ao telefone. Acima de tudo, eu não queria só ouvi-los – eu queria abraçá-los, eu queria estar lá.
Lembrei de quantas vezes eu me senti grata por poder ter o privilégio de viver em Nova York. De como tenho uma vida bacana, projetos que me fazem feliz e, acima de tudo, de como eu posso andar na rua tranquila, muitas vezes com a bolsa aberta, o telefone nas mãos, sem sequer olhar para os lados. E de como tudo isso é irrelevante quando você está longe da sua família e não pode fazer nada para protegê-los de coisas assim.
Mil coisas poderiam ter acontecido na quarta-feira, além do roubo que deixou um desfalque de um laptop, um celular, uma televisão e uma casa revirada de cima para baixo. Minha mãe poderia ter levado o laptop para a escola quando pensou em fazê-lo pela manhã, mas desistiu. Meu pai poderia não ter esquecido o envelope que precisava postar no correio – e, assim, chegado mais tarde em casa, dando mais tempo aos ladrões para continuar com a festinha. Ou pior, meu pai poderia ter surpreendido essas pessoas dentro de casa – e não na rua, como foi – e eu não quero nem pensar no que poderia ter acontecido. Os caras não esconderam o rosto, nem se intimidaram. São as suposições sobre aquilo que poderia ter sido e não foi, de pior e de melhor – que começam com “e se” – que mais angustiam o nosso peito. Acho que foi por isso que eu sofri tanto. Por medo – mas também por revolta e pelo sentimento de impotência. Aliás, que sentimento horrível é o da impotência. O de querer fazer e não poder, de querer agir e não conseguir.
A casa que foi roubada é uma casa nova. Há alguns dias, minha mãe comemorava feliz, falando que estavam completando quase um ano ali. Foi uma casa planejada por muito tempo. Cada detalhe e cada objeto foram pensados, cada item foi comprado com muito trabalho. Um lar que foi sonhado por muitos anos. Fico imaginando essas pessoas, completos estranhos, entrando ali, violando tudo, rasgando envelopes em busca de dinheiro, esvaziando gavetas, bolsas, e mexendo em cada canto sem escrúpulos e saindo com tudo num carro. Assim, fácil, fácil. Em plena luz do dia. Para eles, foi provavelmente mais um dia divertido, com saldo positivo. Para nós, um dia que nunca mais vamos nos esquecer.
Meu coração ficou partido não só por estar longe, mas por ver o sentimento dos meus pais, dividido em várias facetas: aliviados por nada grave ter acontecido, um tanto conformados com a tal realidade mas ao mesmo tempo revoltados. E eu senti um gostinho amargo de decepção. Decepção porque eu nunca saí fugindo do Brasil. Eu saí porque eu queria explorar outros lugares, ter novas experiências. Eu deixei uma vida estável para vir para o desconhecido. Mas eu nunca pude dizer que eu tivesse uma vida ruim. Eu tinha uma vida boa. Cresci numa cidade tranquila, sempre tive boas condições. Mas essa quarta-feira mudou um pouco isso tudo. Deixou um gosto mais amargo na boca. Mesmo tendo visto coisas assim ou até piores acontecerem com pessoas queridas próximas de mim, a gente só conhece o tal sentimento quando sente na pele.
Foi uma quarta-feira diferente, onde vários dos meus problemas e preocupações pareceram pequenos e meu humor combinou com o dia: cinza, triste, pesado. Fui dormir pensando no quão louco foi a minha irmã sonhar justamente com nossa casa antiga na noite anterior. Um sonho estranho, com choro e cheio de perguntas sem respostas. A vida é mesmo uma incógnita.
16 de maio fez com que morar em Nova York fizesse sentido por eu não ter que me preocupar com o fato de que alguém pode entrar na minha casa. Mas trouxe um gosto bem amargo por eu saber que as pessoas que eu amo não estão tão seguras assim…
Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
LAURA, senti tua angustia mesmo sem te conhecer… fique bem! Tenho certeza que os anjos da guarda dos teus pais estavam la!!!
Ja passei por tantas…e agradeço sempre aos meus anjos da guarda por me protejerem…
Fique bem! Força e otimismo!
Abracos
Luciana