Acho que eu só passei um dia das mães com a minha mãe desde que vim morar em NYC. Obviamente, datas como essas trazem um aperto no coração e a distância vira uma dorzinha latente, mas, precisamos conviver com os ônus das nossas escolhas. E morar fora faz isso. Faz você perder aquelas datas comemorativas que fizeram parte da sua vida, aquele aniversário, aquele almoço na casa da vó. Ossos do ofício. Honestamente, é um processo. Aos poucos, você aprende a fazer com que as datas sejam especiais também no lugar onde você escolheu morar e até incorpora algumas celebrações novas. E você também aprende que não precisa depender de uma data especial para curtir com pessoas especiais. Depois de tanto tempo morando fora, a minha família tenta ao máximo fazer das minhas idas ao Brasil algo especial. A gente sempre aproveita – não importa a data.
Mas, já que é dia das mães, eu achei que deveria aproveitar a oportunidade para exercitar a escrita. No meio de uma pandemia, no meio de tantas incertezas, de tantas notícias ruins, eu me vi lembrando de coisas da minha infância. De episódios, fatos, acontecimentos que eu nem pensava mais, mas que trouxeram à tona memórias boas e, se já não bastasse, isso conseguiu aumentar a admiração que eu já tinha pela minha mãe.
Na minha casa, minha mãe assumiu a maternidade em tempo integral por muito tempo. Deixou a carreira de lado pra cuidar de mim e da minha irmã. Entrou na faculdade de Letras quando meu irmão tinha uns 3 aninhos – sem contar que ela desistiu de fazer jornalismo em Florianópolis para casar com meu pai. Quando eu entrei na faculdade, ela estava se formando. Passou num concurso público depois de muitos anos trabalhando como professora substituta. Fez mestrado e andou de avião pela primeira vez depois dos 40. Ao trazer à tona tantas memórias da minha infância e adolescência, foi impossível não perceber o quanto seu comportamento nos empurrava pra frente – e o quanto ela não se importava de nos ver ganhar o mundo, mesmo que isso significasse voar para muito longe do ninho dela.
Durante esses últimos dias, eu lembrei de muitos episódios da minha infância. Da minha paixão pela Xuxa e de como minha mãe alimentava meus sonhos como podia. Eu não tive todas as sandálias, roupas e brinquedos da Xuxa. Mas eu lembro com carinho dos cassetes originais que ela comprou algumas vezes. Detalhe que isso sempre exigia uma ida à cidade vizinha. Lembro também quando ela conseguiu uma pilha de revistas de uma conhecida, só pra gente catar as fotos da Xuxa. Não sem antes, claro, ter que moderar as regras de quem escolheria os recortes primeiro, já que eu e minha irmã sempre caíamos em uma briga. Aliás, que paciência minha mãe teve com nosso comportamento de gato e rato. Mas isso é assunto pra outro dia.
A gente também brincava de Barbie – era uma das minhas coisas favoritas – mas não tínhamos pilhas de coisas, tampouco todos os lançamentos. Eu tive uma Barbie apenas e lembro o quanto celebrava quando eu ganhava roupinhas novas pra ela – fato que só acontecia em datas comemorativas, claro. Minha mãe encomendou pra gente umas caixas de madeira personalizadas com nossos nomes e lembro que eu guardava todas as roupinhas e acessórios dentro dessa caixa, tudo organizado. Tudo bem que montar a brincadeira era mais legal que brincar, mas ela nunca deixou de alimentar esse nosso mundo.
Entretanto, é interessante lembrar que as brincadeiras dentro de casa não eram a maior parte da nossa rotina. Não. Numa cidade pequena de interior, eu vivi uma liberdade que hoje me dou conta do quanto foi plena. Minha mãe nos deixava tão livres pela vizinhança e pelo “mato” que, quando eu lembro, eu me questiono: mas como? Quanta plenitude hein, mãe? Ela simplesmente ia pra frente de casa ao fim do dia e chamava pelos nossos nomes. Era hora de ir pra casa. A gente sempre escutava. Não necessariamente na primeira vez, mas provou-se uma técnica infalível ao longo dos anos.
É tão especial lembrar que apesar de minha mãe não ser a mais melosa – aquariana, sabem como é, meu pai pisciano ficava com esse cargo – ela nunca poupou nenhum esforço para ver a gente feliz. Fazia tudo que estava ao alcance dela. Lembro das tardes moldando ovos de chocolate, das manhãs de Páscoa da gente catando os ovos que ela tinha escondido no jardim, das noites sem fim fazendo flores de chocolate para as festinhas de aniversário. Aliás, as festinhas merecem uma menção honrosa. Esqueça essas super produções que estamos acostumados hoje. As nossas festinhas eram na varanda de casa, com decoração que ela mesma fazia, junto com os doces, os salgados, o bolo. Sem contar os eventinhos que a gente inventava, e ela não censurava. Geralmente, esses eventinhos se resumiam a teatrinhos – não me perguntem como a gente inventava o roteiro – sempre com algum quitute preparado por quem? Mamãe, claro.
Minha mãe adiou muitos sonhos por nós. Hoje, olhando pra trás, eu vejo como cada ato de incentivo ajudou a moldar a pessoa que sou hoje. Como ela não poupava esforços para conseguir livros que matassem a minha sede de leitura, pedindo emprestado de conhecidos. Como me ensinou trabalhos manuais. Como ensinou eu e minha irmã a fazermos a unha ou a cuidar dos cabelos. Fico pensando o que ela pensou daquela pirralha de 13 anos dizendo pra ela que queria vender Avon. Eu era menor, então ela criou o cadastro no nome dela, mas a responsabilidade era toda minha. Ela poderia ter dito não. Mas me incentivou. E foi assim a vida inteira. Ela sempre incentivou a gente a voar alto, por nós mesmas – independente do fato de que talvez isso significasse ver os filhos indo para muito longe. Hoje, lembrando de todos esses episódios da minha vida, eu entendo muito mais as lágrimas dela e do meu pai ao se despedirem de mim quando eu fui morar em outra cidade para fazer faculdade. Era um choro tão dolorido – que bate forte aqui no peito só de lembrar. Eu entendo mais cada lágrima que eles derramam ao se despedir de mim no aeroporto – e também entendo o sorriso largo dos nossos encontros. Hoje, mais do que nunca, eu te agradeço por tudo, mãe, pelos erros e acertos. Pelas festinhas, pelas bonecas, pelos livros, pela liberdade. Mas, principalmente, pelos exemplos e pelos incentivos.
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Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.