– Esse endereço é um hotel?
– Então, como eu mencionei anteriormente, é um apartamento.
Eu já tinha explicado ao agente de imigração que o endereço no formulário era de um apartamento em Jersey City, onde meu namorado já estava ficando há alguns dias. Talvez minha frase tenha soado afrontosa, mas quando ele me perguntou pela segunda vez a mesma coisa, realmente foi a resposta mais espontânea que eu poderia dar. Não se engane, falei com um sorriso no rosto. Hoje eu entendo que talvez ele estivesse tentando me testar para me pegar em contradição, afinal, sabemos que agentes de imigração não são treinados para serem desatentos, certo? De qualquer forma, fui liberada rapidamente, peguei a minha mala e segui para a área de desembarque.
16 de agosto de 2013. Foi o dia em que coloquei os pés pela primeira vez nos Estados Unidos.
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Ao contrário de muita gente, não cresci sonhando em visitar a Disney, nem me imaginava andando nas ruas de Nova York. Sim, assisti a todos os filmes clássicos e vi alguns seriados. Mas simplesmente não tinha esse desejo latente de conhecer o país. A verdade é que eu não escolhi visitar Nova York, simplesmente aconteceu. Não planejei, não estava nos meus sonhos, nem na minha lista de desejos imediatos. Meu namorado veio ao trabalho por algumas semanas e me convidou. Com hospedagem na faixa e um trabalho que permitia, pensei, por que não? Engraçado pensar como uma mudança tão grande na minha vida começou de uma maneira tão casual, inusitada e totalmente inesperada.
Ainda lembro do saguão do aeroporto lotado e de fazer um raio-x naquelas dezenas de pessoas e não enxergar o rosto do Thiago no meio daquela pequena multidão. Ele havia chegado 10 dias antes e estaria me esperando no meu desembarque. Confesso que me bateu um pequeno desespero quando não o encontrei, mas, sabe como é, brasileiro sempre encontra brasileiro e logo eu consegui ajuda. Uma menina com balões me abordou perguntando de onde eu estava vindo – ela estava esperando a visita do namorado, que estava no mesmo voo que o meu. Percebi que era brasileira e ela acabou me emprestando o telefone. Liguei para o Thiago e ele estava a caminho, atrasado. Pegou Path, metrô e Airtrain para chegar no JFK, já que a hospedagem, como falei, era em Jersey City.
Fizemos exatamente o mesmo caminho para voltar e eu ainda lembro da sensação que tive ao ver Nova York pela primeira vez, quando chegamos à Penn Station e saímos na Oitava Avenida para caminhar até a estação do Path. Foi quando vi os táxis amarelos no meio daquela muvuca e pensei: Caraca, eu tô em Nova York. Foi a primeira foto que fiz na cidade, daqueles tempos em que o Instagram era mais espontâneo, não existiam stories, nem snapchat, e a gente se contentava com os filtros do app. Ao chegarmos em Jersey City, num dos andares mais altos daquele prédio de apartamentos corporativos, vi o skyline da cidade da janela. Olhando um pouco mais pro lado, pequena, mas reconhecível, estava ela: a Estátua da Liberdade. A ficha caiu pela segunda vez. É, eu estava em Nova York.
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Os 10 dias que se sucederam foram incríveis. Era verão, fazia calor, os dias eram longos. Eu passei grande parte desses dias sozinha, já que Thiago estava a trabalho. Nos dois fins de semana que tivemos dentro do meu período na cidade, aproveitamos bastante juntos, mas nos outros dias eu ficava por conta própria. Andamos pelo Central Park, subimos no Empire State Bulding e no Top of the Rock, me frustrei com a vista do Staten Island Ferry para depois então não conseguir segurar meu sorriso ao ficar frente a frente com Lady Liberty no nosso passeio de Water Taxi. Comprei meu primeiro batom da Mac, realizei o sonho de beauty maníaca e entrei em dezenas de farmácias, assim como em lojas da Forever 21. Provei comidas diferentes, passei algumas vezes pela Times Square, fui ver o apartamento da Carrie, pedi várias fotos para estranhos, deitei na grama do High Line Park, errei o caminho do metrô apenas uma vez, fiquei ansiosa em filas de restaurantes por não saber o que comer, coloquei meu inglês à prova, visitei a Brooklyn Bridge enquanto me lembrava da cena de Miranda e Steve em Sex and the City. Não fiz roteiro, só tinha uma pequena lista de lugares que queria conhecer e não fazia ideia da dimensão da cidade, nem o que era Uptown e Downtown, tampouco mensurava o tamanho do Brooklyn – e talvez eu nem soubesse da existência de Queens e The Bronx. Mas me virei. Explorei uma cidade como uma criança que explora lugares desconhecidos, não tinha horário pra nada e senti uma felicidade imensa ao me ver me virando decentemente numa cidade tão grande e que pode ser intimidante para tantas pessoas. Não pra mim.
Nova York não me intimidou. Muito pelo contrário. Nova York me seduziu e me conquistou em pouquíssimos dias. Talvez a Laura de hoje não se apaixonaria fácil assim, mas talvez foi algo maior que me fez ter, de repente, um desejo incontrolável de viver mais daquele lugar que me fascinou tanto à primeira vista. A energia? O barulho? As luzes? A liberdade que eu senti? Talvez eu tenha me apaixonado pela minha versão naquelas terras tão distantes. Ou talvez eu tenha me apaixonado pelas possibilidades que a minha mente sonhadora já traçava. Eu não tinha ideia alguma do que significava morar fora, eu simplesmente queria viver aquilo. Eu me sentia preparada, eu tinha sede de viver o novo, e, de repente, eu decidi que, se fosse para morar fora, que fosse então para ser naquela cidade.
Não se engane: não foi fácil fazer as malas e me desfazer de tudo que eu tinha – e de quem eu era. Mas era o tal do: se der medo, vai com medo mesmo.
Faz 8 anos que eu coloquei os pés nessa cidade pela primeira vez, caí nas suas graças e incentivei meu namorado a conseguir um emprego aqui. O resto, vocês sabem, é história. Apesar dos dias como turista estarem longe da realidade de um morador e imigrante, eu não poderia deixar de celebrar essa data. Eu não tinha ideia do que seria a realidade de uma vida longe de tudo que me era familiar, nem imaginava que em poucos anos estaria dando dicas para milhares de turistas que sonhavam em visitar a cidade. Mas de uma coisa eu sei: sou muito grata àquela Laura, que na inocência de alguém que não conhecia os percalços de conseguir um visto – e de toda a trajetória migratória que a gente enfrenta junto com todos os desafios de ser umestrangeiro – deixou a espontaneidade fluir e colocou pra fora aquele desejo latente que de repente tomou conta dela.
“E se tu arrumasse um emprego aqui?” – disse eu para o Thiago, logo no início dos meus dias na cidade.
[…] uma resposta realista.
“Mas e daí, não custa tentar, se não der certo a gente tenta outra coisa”- disse eu quando ele me falou que conseguir um visto era difícil.
Que bom que eu não sabia. Em certas situações, o otimismo e a esperança ganham mais espaço quando não temos ideia das dificuldades envolvidas. Meus planos para depois daquela viagem era começar um planejamento para me mudar para Porto Alegre e morar com o Thiago. Nada disso aconteceu. Nada mais foi o mesmo depois daquela viagem em agosto de 2013.
Sim, quem conseguiu um trabalho aqui foi ele, mas o mérito dessa conquista é de nós dois. De um time alinhado com os mesmos objetivos e que se apoiou em todos os momentos.
Grandes mudanças em nossas vidas também podem acontecer a partir das situações mais impensáveis. Aquela Laura não tinha ideia do que ela viveria, e talvez ela se assustasse se soubesse de algumas dessas coisas. Se eu pudesse dizer algo pra ela, seria:
- Importe-se menos com o que os outros pensam de você. O que eles acham ou deixam de achar não define quem você é;
- Aprenda um pouquinho mais sobre business e estratégias, sabe como é, pessoas criativas tendem a deixar essa parte de lado;
- Invista logo num casaco de inverno, não adianta dizer que eles são feios, você vai acabar se rendendo, acredite em mim;
- Faça exercícios físicos;
- Acorde cedo, é questão de hábito;
- Imigração não é bolinho, mas o Green Card vai chegar;
- Celebre as pequenas conquistas – esse texto é uma celebração!
Por fim: Você vai mudar tanto que talvez nem acredite… mas, acima de tudo, lembre-se: vai valer a pena.
Quer saber mais da nossa história?
Textos no blog:
- 5 anos em Nova York – uma história nunca contada
- A nossa longa trajetória até o Green Card: das incertezas à liberdade
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Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
Laura, seus textos são realmente inspiradores. Sua escrita é leve e profunda, cheia de emoção, envolvente. Este artigo me chamou atenção de muitas maneiras inimagináveis. Parabéns por esta celebração.
Parabéns Laura , seus textos sempre emocionam ! Entre dificuldades vc conquistou seu lugar e nossos corações ♥️