Vocês sabem que, além das dicas de Nova York, eu gosto muito de dividir com vocês as verdades sobre morar fora. Esse assunto já foi tema de vários posts e vídeos aqui no blog e é algo que sempre me inspira a escrever. A gente tem essa ideia de que morar fora é sempre melhor – afinal, a grama do vizinho é sempre mais verde, não é – e acho que quando se trata de Nova York essa ideia é ainda mais romantizada. Faz três anos que eu moro aqui – e, por enquanto, não temos planos de voltar ao Brasil. Sim, sou muito feliz morando aqui – e não, isso não significa que a minha vida seja perfeita e sem problemas. Morar fora soluciona, sim, alguns problemas, mas não zera essa equação. Os problemas são outros. Hoje, resolvi falar sobre 7 coisas bem importantes sobre morar fora, que têm muito a ver com o estilo de vida e com o processo de adaptação aqui. Esses fatos são baseados na minha experiência e pode ser que não se apliquem a todas as pessoas. Mas, de qualquer forma, achei válido compartilhar….
1. O idioma sempre vai ser uma barreira – não importa quantos cursos de inglês eu faça – a minha língua materna sempre vai ser o português. E aqui nem estou entrando apenas no mérito do sotaque, que sempre vai “entregar” o fato de que sou estrangeira – em um cidade como Nova York, isso não é um problema sempre. Falo de vocabulário mesmo. Eu me considero fluente, mas infelizmente a gente não está preparado 100% para todas as situações que a vida te apresenta. No momento, estou fazendo um tratamento médico e cada vez que vou ao consultório, meu inglês é colocado à prova. São termos que não entendo – e que estou aprendendo – são palavras que preciso encontrar para me expressar. Confesso: é frustrante. Principalmente quando o seu interlocutor não entende o que você quer dizer. E não importa se um dia eu me torne uma cidadã americana – eu vou ser sempre brasileira. E não estou falando que me acho menor por isso, muito pelo contrário, tenho muito orgulho das minhas origens.
2. Você precisa se reinventar e começar do zero – tenho muitas amigas que vieram morar aqui pelo mesmo motivo que eu – o marido foi contratado ou transferido pra cá. Todas nós tínhamos carreiras no Brasil: advogada, jornalista, engenheira química, farmacêutica. Ao contrário do que muita gente pensa, o mercado de trabalho aqui é acirrado. Já parou para pensar quantas pessoas estão aqui em busca dos seus sonhos? Quantas pessoas, de todos os cantos do mundo, estão na busca do seu lugar ao sol? E já parou para pensar que nem sempre é só chegar e começar a exercer sua carreira? Profissões como advogadas e outras da área da saúde exigem mais formação e provas para que você se enquadre aos requisitos de trabalho aqui. Muitas vezes, é preciso recomeçar do zero. Conheço pessoas que estão trabalhando em áreas completamente diferentes, já outras que estão há algum tempo estudando e se dedicando para tentar se adequar às exigências. E você sabia que nem todas as categorias de visto de trabalho dão, automaticamente, autorização de trabalho para o esposo/esposa? Sim, o visto de trabalho, o mais desejado por 90% das pessoas, não dá autorização de trabalho para o cônjuge. Não me pergunte o motivo, essa é a pergunta que deve pipocar na cabeça de todas as mulheres (sim, a grande maioria dos vistos H1B emitidos são para homens) que estão aqui e ficam impossibilitadas de trabalhar. Para quem tem planos de carreira e ambição, é bem frustrante. Isso que estamos falando dos trabalhos formais. Não dá pra ignorar o fato de que há milhares de pessoas que vêm para os EUA “tentar a vida”. Gente que tinha emprego “bacana” no seu país de origem e vem pra cá trabalhar como garçom, com faxina ou cuidando de crianças. Nada menos digno, porque nenhum trabalho te faz melhor que o outro, né? Mas e você: estaria sujeito a qualquer tipo de trabalho?
3. Perda de identidade – isso tem muito a ver com o tópico anterior. No Brasil, você tinha a sua carreira, a sua profissão, a sua identidade. Eu era a Laura, naural de Meleiro, que estudou na Unisul, filha do Donato e da Meri, que trabalhava com mídias sociais, que tinha um blog sobre moda e beleza. Aqui, as suas referências não servem mais para nada. É como se você zerasse a sua vida e precisasse reconstruir sua identidade. Agora, eu sou a Laura, brasileira, que mora aqui desde 2014, blogueira que escreve sobre Nova York, criadora de um aplicativo, casada. Óbvio que não é só isso que resume quem eu sou, mas muita coisa mudou. Tudo que eu vivi até vir morar em Nova York contribuiu e muito para a pessoa que me tornei, mas são referências internas. Ninguém conhece a minha cidade – aliás, pouca gente conhece mais que Rio ou São Paulo quando o assunto é Brasil. Meu currículo, apesar de ser interessante para a cidade onde eu morava, não é tão bom assim para concorrer num mercado como o de Nova York. Apesar de eu estar morando legalmente aqui, não sou livre para fazer o que quero, pois a imigração limita bastante o que uma pessoa pode fazer aqui, em termos burocráticos.
4. Desconstrua tudo – e quando eu falo tudo, falo até do gosto por comida. Nada contra quem mora fora e assina a Globo Internacional – quem sou eu pra dar pitaco na programação de televisão da casa dos outros? Mas, ao mesmo tempo que você não quer perder a novela, permita-se assistir outras coisas. Tem que acompanhar o noticiário, saber o que está acontecendo no lugar onde você vive. Também é preciso ter em mente que os hábitos são outros. Falando em Nova York, não esqueça que espaço é artigo de luxo e os apartamentos são pequenos, que ter carro não é algo viável, que o inverno é bem diferente do Brasil (e dura meses), que você vai precisar levar a sua roupa para lavar… E que talvez você não vá encontrar mamão papaya no mercado, mas em compensação tem morangos e framboesa por um preço muito mais em conta. Que talvez você não encontre aquele leite condensado em todos os mercados, mas que aqui tem outras milhares de coisas que não existem no Brasil. Corte o cordão umbilical. “Ah, mas no Brasil não era assim”. Exato, mas, lembre-se: você não está mais no Brasil. Não adianta reclamar que a cerveja não é gelada o suficiente, ou que o café é fraco demais, ou que aqui não dá para parcelar as compras. Desconstruir conceitos e adaptar-se à nova rotina é muito mais fácil do que ficar lutando contra coisas que você não vai conseguir mudar.
5. Conheça e viva a cultura – o último domingo foi Páscoa e, dias antes, ao me despedir de alguém que eu não veria até a semana seguinte, a pessoa me desejou Feliz Páscoa. Agradeci e fiz o mesmo, mas depois fiquei pensando em como a vida para Nova York mudou nosso jeito de encarar datas comemorativas. Natal continua sendo sagrado para mim, mas a Páscoa sempre passou em branco. Confesso que nunca foi minha data favorita e talvez por isso nunca fizemos nada especial. E também porque aqui não é algo tão forte como no Brasil. Em compensação, a gente fica animado para o Halloween e já faz planos para o Thanksgiving. Acho muito gostoso incorporar novas celebrações na nossa vida, faz a gente se sentir mais “incluído” no lugar onde vivemos.
6. O mito do barato – as pessoas ficam muito animadas para fazer compras em Nova York, porque os preços de muitos produtos costumam ser mais em conta quando comparados com os praticados no Brasil. Mas a vida das pessoas aqui não se resume em comprar como Becky Bloom e Carrie Bradshaw. Falando especificamente da Big Apple – e eu sempre bato nessa tecla – é bom lembrar que a vida aqui é muito cara. Sim, é barato comprar roupas, maquiagem e eletrônicos, mas aluguel, impostos, mercado e plano de saúde não são nada baratos. Serviços, então, nem se fala. Esqueça empregada doméstica e salão de beleza toda semana – isso nunca foi um problema para mim, pois nunca tive esse padrão de vida no Brasil, mas sei que é realidade para muita gente. Nem todo mundo consegue morar sozinho – muito menos num lugar charmoso do West Village – ninguém tem vista pro Empire State, não dá para sair para tomar um drink todos os dias. Aliás, não dá nem para você fazer o louco consumista, porque é muito provável que você não tenha espaço suficiente para guardar tudo o que compra.
7. Os benefícios são outros e o ritmo de trabalho também – almoço com duração de uma hora e meia? 30 dias de férias? Emendar todos os feriados? Folga todos os fins de semana? Só no Brasil. O ritmo de trabalho aqui é bem diferente. Férias e licença-maternidade, por exemplo, dependem da política de cada empresa. Há empresas que dão até 28 dias de férias por ano, há outras que só liberam duas semanas. Nem todo feriado significa folga – alguns só beneficiam escolas mesmo. Sábado e domingo são dias de trabalho para muitas pessoas. E sabe o ditado “tempo é dinheiro”?. Pois é, aqui tempo vale muito mais dinheiro. A maioria das pessoas ganha por hora. Não trabalha, não recebe. Simples. Ah, e o almoço não é o mesmo ritual do Brasil. É difícil as pessoas pararem por muito tempo para comerem alguma coisa. Isso sem contar toda a burocracia dos planos de saúde. Não queiram saber os custos de consultas médicas e exames aqui. Sem contar o que me parece ser um pouco caso com prevenção a doenças. Sei que o SUS tem muitos problemas no Brasil, mas na cidade onde eu vivia, ele supria bastante as minhas necessidades. Aqui, não existe SUS.
Espero que tenham gostado do post! Morar fora é uma experiência ótima, enriquecedora, mas isso não significa que seja perfeita. Por aqui, vocês nunca me verão romantizando isso…
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Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
muito bom seu post e dicas AMAZING
Adorei seu post de hoje! Muitos pensam que sair do Brasil é a solução para tudo, mas você escreveu a realidade que muitos desconhecem… Parabéns!