Eu cresci numa cidade pequena. Muito pequena. 7 mil habitantes para ser mais exata. E toda vez que eu conheço alguém aqui, rola aquela pergunta clássica. Se a pessoa é gringa, ela vai chutar que você é do Rio ou de São Paulo. Raríssimas vezes conheci gringos que conheciam Santa Catarina. Eu já ficava feliz da vida. Num mundo onde São Paulo e Rio são quase únicas referências brasileiras, saber que seu estado é conhecido por alguém já te faz feliz. Sério, a gente fica tão satisfeita! Orgulhinho, sabem? E, claro, também tem o exemplo que rola com os brasileiros. Em duas frases, eles já sabem que eu sou do sul. Mas para aí encontrar alguém que já ouviu falar de Meleiro… foi raro. Às vezes, não quero nem falar o nome da cidade, eu já adianto: gente, vocês não conhecem, eu tenho certeza. Morei por 18 anos em Meleiro. Cresci, estudei, curti a infância e a adolescência lá. Saí de lá para fazer faculdade e nunca mais voltei.
Como eu cresci em um lugar assim, convivi com situações que só quem vive em cidade pequena sabe. Eu ia de bicicleta para a escola. Os pais das minhas amigas conheciam os meus pais. A referência sobre uma pessoa vinha com seu sobrenome. “Fulano é filho de quem?”. Não, não era uma referência para fazer alguém importante, era porque através disso já se desencadeava toda uma árvore genealógica e ficava mais fácil ou mais difícil confiar em tal pessoa. A gente também conhecia todos os vizinhos. E trocava de tudo com os vizinhos. Faltou um ovo? Uma xícara de açúcar para aquele bolo? Um refratário para aquela receita? Era só pedir para a vizinha. E se a horta estivesse farta demais, nunca era um problema: a gente vivia dividindo aquela penca de banana, aquele pé de alface, aquela muda de chá.
Definitivamente, essas são situações que só quem vive em cidade pequena sabe. Agora, vocês imaginem sair de uma cidade de 7 mil habitantes e vir morar numa cidade onde a população passa dos 8 milhões de pessoas. Imaginaram? Parece uma mudança caótica, mas eu acho que no fundo eu tirei de letra. Óbvio que tivemos alguns problemas ao lidar com as novas burocracias, mas, afinal de contas, trata-se de uma mudança de país. Nunca é fácil. Só que aqui, como já falei em outras oportunidades, a gente perde as referências. Não sou mais a filha do Donato nem a esposa do Thiago, que trabalhava em tal lugar, vizinha do fulano. Já são três anos e meio morando aqui e eu não sei o nome dos meus vizinhos. E olha que só tem 11 apartamentos no meu prédio. O caixa do supermercado, ao contrário do que acontecia em Meleiro, não sabe meu nome, nem onde eu moro, nem sonha quem são meus pais. Não tenho “conta” em nenhuma loja daqui. O pessoal da academia não sabe meu nome. Minha identificação é um código de barras. Poucas vezes rola conversa fiada no metrô. Sempre falei que a liberdade de você poder ser quem você quiser é maravilhosa. Mas existe aquela contradição de você não ser conhecido e, ao mesmo tempo, ter a sensação de que ninguém se importa com você. Outro dia, um motorista de táxi foi encontrado morto dentro do seu carro aqui em Nova York. Ele tinha parado para uma soneca e nunca mais acordou. Teve um ataque cardíaco e seu corpo só foi descoberto no dia seguinte, quando sua mulher ligou para a companhia de táxi porque ele não tinha voltado para casa. O carro foi rastreado e aí sim descobriram que ele estava morto. Triste, né?
Porém, no meio disso tudo, nossa vida no bairro tem um personagem muito peculiar: o tio da banca de frutas. Aqui em Nova York, é bem comum, principalmente nos bairros residenciais, encontrar bancas de frutas a cada esquina. Acaba sendo uma opção bem melhor para comprar frutas e verduras do que os supermercados. Mas, enfim, a ideia não é falar da banca e sim do tal tio. Veja bem, eu não sei o nome dele, não sei a sua história, não sei onde ele mora. Acredito que ele seja indiano, tanto pelas suas feições como pelo seu sotaque. Mas ele acaba desempenhando um papel bem peculiar nas nossas vidas. Primeiro, ele marca presença na esquina sempre: faça chuva ou faça sol, faça frio ou faça calor, a banquinha de frutas está ali. Aparentemente, ele divide os turnos com outros colegas. Ele sempre lembra de mim. Quando eu fico um tempo sem comprar, ele comenta que nunca mais apareci. Ele ajuda a escolher as melhores frutas e é sempre sincero. Ele me avisa quando a temporada de blueberries vai acabar: “melhor comprar, mês que vem vai dobrar de preço” ou “amanhã teremos abacates melhores”. Ele faz descontos especiais e vez ou outra ainda completa a minha sacola com uma pêra, uma banana ou uma ameixa. O tio das frutas é aquele rosto familiar no meio dessas oito milhões de pessoas, aquele que faz sua vizinhança ter cara de vizinhança, aquele ponto de referência. É aquele lugar simples que o Whole Foods não conseguiu substituir, onde o cartão de crédito não é aceito e onde as sacolas não têm luxo. Eu fiquei devastada no dia que estava sendo atendida e vi um menino roubando uma banana, na maior cara de pau. Senti como se tivesse sido comigo e me senti pior ainda por não ter feito nada. Fiquei paralisada com a cara de pau do menino cheio de panca pegando uma banana sem pagar. Poxa, o tio é tão legal, ele não merecia ser roubado.
Mesmo assim, talvez eu não fique sabendo caso ele adoeça ou morra. A vida fora do país pode trazer relacionamentos intensos ou rasos. E muitos com prazo de validade. Pessoas vêm para Nova York por diferentes objetivos: trabalhar, estudar, passear. Algumas cruzam o seu caminho, entram na sua vida e ficam para sempre. Outras farão uma passagem breve e depois deixarão só lembranças (boas ou ruins). Não existe meio termo. Ou você tem pessoas com quem pode contar, ou não tem. Eu já tive diversas fases e hoje eu quero “acumular” pessoas, sabem? É mais ou menos assim: você conhece pessoas legais e pensa “preciso manter essa pessoa na minha vida”. Já tive um período sem amizades, sem companhias, sem ter com quem contar. Agora, sempre penso que preciso ter o maior número possível de amigos, para nunca me sentir sozinha aqui. E, de um jeito ou de outro, a gente finge que acredita que é para sempre. Porque, no fundo, lá no fundinho, a gente sabe que, cedo ou tarde, algumas dessas pessoas vão partir pra outra aventura. É preciso deixar o medo da decepção e da despedida de lado. E confesso: não é fácil.
No meio disso tudo, espero que Nova York possa oferecer mais “tios”, mais rostos familiares, mais pessoas que se importam com você.
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Laura Peruchi é jornalista, autora e empreendedora. Mora em Nova York com seu marido desde 2014, e, desde então, divide em seu blog um conteúdo variado sobre a Big Apple. Com dicas de turismo, compras, restaurantes e muito mais, sua plataforma online tornou-se referência em conteúdo em português para quem está planejando uma viagem a Nova York. Acompanhe Laura também no Instagram, Youtube, Facebook e Spotify.
Nossa! Que texto lindo! Acho que muita gente se viu representada na tua história… além das referências, de certa forma perdemos nossa identidade quando saímos do Brasil… que bom que temos você, que consegue traduzir em palavras, de forma genial, o que a gente sente e não consegue se expressar.
Muito obrigada!
Nossa Laura, que lindo texto!! Às vezes tenho tanta vontade de morar fora do Brasil, ou em alguma Capital e acabo esquecendo dessas pequenas coisas que só cidade pequena tem!!